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segunda-feira, dezembro 12, 2005 

Dali proscrito

Acendeu-se o filamento do cosmos. Já há luz por toda a parte e tudo parece agora mais fácil de compreender, mais fácil de analisar. Aos olhos do mais complexo de nós, tudo é agora muito mais simples. Não o é para mim. Não é o que eu vejo. Não é o que sinto. Uma fina cortina luminosa, que faz com que tudo brilhe com as cores de um caleidoscópio, fere-me a vista. Entra pelas retinas como um jacto de lava corrosiva, atravessa o meu corpo de um polo ao outro e queima-me os terminais nervosos tornando-me dormente por dentro e cada vez mais negro.. por todo o lado.

Esta luz engana. Nada é o que parece à primeira vista, e o que se vê segunda vez, já nem com a primeira se parece. E depois de infectado pelos tentáculos desta falsa visão fantasma, já nada é nada e passa a ser o que todos quiserem, e todos querem a mesma coisa. De cada vez que os objectos são focados, estes mudam de forma. As lentes ainda se esforçam por conseguir acompanhar a alucinante mutação numa corrida cega contra a imagem vazia de conteúdo, e quando quase que conseguem, algo soa a desafinado.

Não. Desafinado não. Dissonante. Translúcido. Cinzento. Amorfo. Tépido. Consegue-se ver. Consegue-se cheirar, apalpar, saborear, enfim.. Sentir. Mas não se consegue entender o que é. Porque o ponto de interrogação da substância esconde-se por dentro da forma. "Dominámos a forma!" - ouve-se berrar por todo o lado da boca dos iluminados. Errado. Estamos mais perto de ser dominados pela forma. E enquanto as ondas hertzianas se fazem transportar com as coordenadas do zénite ditadas pelo denominador comum, as próprias unidades humanas que perfazem o denominador comum atiram-se para dentro das suas naves espaciais personalizadas e aceleram à velocidade da luz, tristes moscas fotónicas, rumo ao primeiro farol que encontrarem. São capazes de se transcenderem pelos ideais errados e irromper as fronteiras das realidades apenas para se deixarem conduzir através de uma rede de canos de esgoto, ainda assim mais limpas que eles próprios (senão davam pela diferença) em direcção a uma pulsão artificial construída à imagem da média. Uma média ponderada, uma fantasia alimentada por larvas gordas com dentes podres e barrigas vermelhas. Uma meta-realidade criada dentro de caixas de petri sujas e ágar humano em laboratórios controlados por ratos cósmicos. Que paisagem extasiantes: beleza, fartura, riqueza, conforto, facilidade. Perfeição? Não há bebés feios. Não há moscas na fruta. Nunca falham as pilhas do telecomando. Que tal isso para Perfeição? Tudo é belo, tudo é bom! Tudo é tão brilhante e vivo e colorido - tal como na TV! Não há que enganar. Aqui não há morte! E têm razão, por uma vez. Porque não há morte para quem já nasceu morto. Há pior.

Triste rebanho de smilleys que avança e avança, evolui e aperfeiçoa-se numa escalada por escadarias Escherianas tatuadas de espelhos multidimensionais onde param para se admirarem a cada segundo. Moles de porcos narcisistas concentrados, todos vestidos com modelos exclusivos de argolas para o nariz, placas de identificação nas orelhas e palas nos olhos, a caminho dos currais domésticos para serem engordados com rações light. Deixam-se operar por lasers que não deixam as marcas da merda que fazem, por sua vez operados por máquinas, por sua vez operadas por mãos em luvas de látex operadas por mais porcos com cifrões em vez de cornos, que vão roncando uns para os outros:

- "Que tal te pareço?"

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Pareces-me frio e macabro!!
Mas, gostei bastante desta tua visão. E no final de tudo, as aparências iludem somente, fazendo crer que pertencemos ao rebanho. Pois qualquer ovelha "ranhosa" ou não deseja pertencer a algum.
E é nessa ilusão de pertença que descobrem quem são. Mas, na verdade, nunca deixa de ser uma ilusão!

Imagina as ilusões que vêm nas "mãos em luvas de latex"!

;)

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Sobre mim

  • Nome: Daniel Marinha
  • De: L'Isle sur la Sorgue, Provence-Alpes-Côte d'Azur, France
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