terça-feira, janeiro 23, 2007 

Tributo

Tributo a Sócrates, acusado de se dedicar mais às perguntas que às respostas.

O que torna uma mais verosímel que outra?

A ciência e a fé são frutos da mesma raíz humana e por isso, propensos às mesmas maleitas. Mas ainda assim (talvez mesmo por causa disso) são desprovidas de capacidade de se analisarem reciprocamente, e logo de se julgarem. Não possuem as ferramentas adequadas por virtude (ou defeito, dependendo) dos seus “dogmas”, no sentido mais lato da palavra. Para tal, ambos os argumentos base que sustentam uma e outra teriam de ser auto-negados, destruindo a priori a validade de uma conclusão. A ciência não pode sequer considerar a fé como objecto de estudo porque a fé não é “objectificável”, logo impossível de ser estudada. A fé não pode, por definição, sequer considerar a ciência como hipótese, já que a fé depende de pressupostos que são, por natureza, absolutamente incontestáveis. E este será possivelmente o único argumento da fé. Por isso é inevitável que seja também simultaneamente força e fraqueza maiores.

Ambos se dedicam à verdade, com a devida diferença de que um dos lados admite que se limita a aproximar-se (ciência), o outro não só que a atingiu, mas que a possui (fé). O primeiro admite erros, porque deve. O outro não, porque não pode.

O problema da fé é que encontrar um único erro nas suas afirmações seria transforma-la imediatamente num único e gigantesco erro, porque a fé diz-se ideologicamente absoluta (possui a verdade). O problema da ciência é que por renunciar ideologicamente ao absoluto (limitando-se apenas procurar a verdade), nunca poderá afirmar nada tão absolutamente que coloque alguma vez em causa o absolutismo próprio da fé.

Não deixa de ser curioso reparar então, que foram os erros da fé que ao princípio alimentaram (e de certa forma ainda alimentam) a ciência, ao mesmo tempo que a fé encontra o seu amparo nos princípios da ciência. Isto apenas como jogo de palavras, porque julgo que concretamente se tratará de algo mais próximo do parasitismo que de simbiose. Ambas se alimentam da dúvida, mas apenas uma delas a segrega naturalmente, enquanto a outra aprendeu a usá-la para seu proveito.

Finalizando, ambos são analiticamente transparentes aos olhos do outro. No entanto não serão, como nada é aliás, humanamente transparente. Daí o conflito, a divergência nas perspectivas e resultante incompatibilidade das conclusões.

Resta a dúvida: o que torna uma mais verosímel que outra?

terça-feira, janeiro 09, 2007 

Pseudo-enganos

O oposto de uma verdade absoluta, é em si mesma, uma segunda verdade absoluta.

quarta-feira, maio 03, 2006 

Surpresas?

Não há surpresas. Tudo acontece de acordo com o que já se sabe que vai acontecer. Ser surpreendido é escolher ignorar o que se sabe de antemão, ainda que minutos ou segundos antes de acontecer. Estes minutos ou segundos são a verdadeira segunda oportunidade. Se não se fez nada antes para mudar o rumo dos acontecimentos de forma a coincidirem com o que se anseia, este tempo aparentementemente ínfimo é no entanto o suficiente para estancar o mundo durante um instante e fazê-lo girar com força no momento seguinte e, ainda que sem direcção, voltar a ter alguma mão no futuro. Esta é a verdadeira segunda oportunidade.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006 

Sobre Nada


Este é o autodenominado espaço para sinapses perdidas. Será aqui que serão depositadas as palavras que tenho sobre quotidianidades: cousas do dia a dia no rigoroso sentido da palavra. Eu não sou dado a extremismos e, ao que parece, também o dicionário o não é, já que acrescenta à definição de "quotidiano" o sinónimo "habitual". E é a partir de aqui que o assunto começa a incandescer, quase no ponto de ser malhado, porque de quotidiano a habitual o caminho é longo.

O quotidiano é a frequência diária, é o dia-a-dia de todos os dias. Não há dúvidas aqui, porque é uma definição absoluta e concreta. Se algo acontecer recorrentemente e de forma consistente durante todos os dias, por toda a nossa eternidade, será verdadeiramente parte do nosso Quotidiano. Já o “habitual” não tem fronteiras, não tem limites nem superior, nem muito menos inferior.

Vejamos: a partir de que frequência se pode considerar que um evento é habitual? Sê-lo-á se ocorrer uma vez a cada dois dias? Uma por semana? Por mês? Mais? Menos? Muito? Pouco? Depende, dir-se-á por ventura. Mas depende de quê? Do tipo de evento, da sua envolvente espaço-temporal, da psico-socio-fisiologia individual do praticante? De uma combinação de todos esses mais os outros que faltam? Não se sabe bem, mas ainda assim depende. A afirmação mantém-se: não há um limite inferior a partir do qual se possa dizer que não é habitual. Por aproximação poder-se-á dizer que é mais habitual ou menos habitual, mas isso são termos relativos onde há uma comparação entre uma condição e outra, porque em termos absolutos e concretos não há uma quantificação.

Por outro lado, será minimamente intuitivo declarar que limite superior tem sim senhor, e é imediatamente antes do quotidiano que se situa. Ou seja, um evento será habitual num excesso de frequência limitado superiormente pela repetição diária, momento até ao qual será considerado quotidiano. Mas será? Sendo assim, onde se situa essa tal linha divisória que separa um do outro? Matematicamente, se num ano houver um dia em que não se verifique o dito evento quotidiano, há uma diminuição na terceira casa decimal no valor da frequência com que ocorre, passando de 1 para aproximadamente 0,997. Não parece grave. Mas então será correcto dizer-se que a actividade é Quotidiana? Ou apenas habitual? Pensando em termos de consequências, a diferença à partida parece mínima, procurando refúgio para não dizer nula. Se não comer nem beber nem dormir durante um dia em trezentos e sessenta e cinco, não se morro disso (não é verdadeiramente assim, mas é-o numa razoável aproximação). Em suma, em termos de limite superior, sabe-se que se chegar a ser todos os dias passa a quotidiano, mas então até quando será considerado meramente habitual? 99,9% 99,99% 99.99999%? Mais uma vez a resposta depende. Entre habitual e quotidiano, como na corrida de Aquiles contra a tartaruga, há uma infinita quantidade de meias distâncias, que por força da própria definição de infinito, nunca chegará a ser ultrapassada e o habitual nunca será realmente Quotidiano.

Até agora, nada de mais. A curiosidade está em concluir que em nós e na nossa vida diária, nenhum gesto, nenhum acto, nenhuma ocorrência é verdadeiramente quotidiana nem habitual, se bem que por razões diferentes. Quotidiano é algo Absoluto, e o Absoluto é um ramo da Theoria que não se verifica na Praxis. Nunca. O Habitual, agora com inicial capitalizada porque o merece, não tem propriamente limites, e o que não tem limites não pode ser definido, e o indefinido sabemo-lo bem, é o mesmo que dizer que é Transcendente. Mas se não os distingue a categoria a que pertencem, distingue-os um outro aspecto: ainda que indefinidas, todos os dias se realizam actividades habituais, sem que nenhuma se converta numa Quotidianidade. A conclusão é no mínimo intrigante: O Quotidiano é Absoluto e como tal, impraticável, enquanto que o habitual é simplesmente (se é que posso dizer assim) Transcendente, mas ao mesmo tempo realizável e verificável. Conduzindo a uma outra noção: todas essas habitualidades, todas essas ocorrências habituais acontecem dia após dia, ou seja, os dias são recheados de acontecimentos habituais, tornando-se assim quotidianidades. Então o próprio Quotidiano é feito de habitualidades, portanto de paradoxos, de indefinições, de cousas que repetimos mas que nunca se repetem, e esses são os objectos do nosso verdadeiro dia a dia, que só por serem banais, não deixam de ser misteriosamente intrigantes.

A ilação daqui se poderá retirar de toda esta entropia gramatical, não se resume à discussão de definições de palavras, mas é muito mais lata que isso. Universal, diria. Em verdade, e para além do Absoluto, não há definições ou limites para nada. Absoluto é um qualquer algarismo, mas um único apenas, e mesmo assim não passa de uma abstracção teórica. Traçar uma linha com o comprimento de 10 metros, não é mais que fazer-se uma aproximação que depende numa aproximação da exactidão pretendida, e portanto nunca será absolutamente 10 metros, mas 10,000001 ou 9,9999999, tanto faz para quem quiser apenas fazer um muro, mas diga-se o mesmo a um físico de partículas que tenta medir a velocidade da luz em diferentes meios de propagação e vê-lo-ão a estremecer de indignação. O mesmo acontece com qualquer outro aspecto físico como cor, massa, posição ou tempo. Os instrumentos, como auxiliares de medida desses parâmetros, não são infinitamente exactos e nem mesmo a nossa assimilação e interpretação, e por consequência conclusão e descrição deles o seria – ambos são limitados porque são uma extensão natural da nossa própria interpretação do mundo que depende em última análise de cada um que o faça. Passar de aspectos concretos como esses, para os abstractos como sensações, emoções, impressões, sentimentos, memória, não será propriamente aumentar a complexidade, porque no fundo tudo isto se pode resumir (ou não) a fenómenos físicos e/ou químicos que sofrem dos mesmos males, mas apenas uma mudança de área de estudo. A diferença é que essas inexactidões são naturalmente melhor aceites pela sociedade, por força da educação repetitiva que vamos tendo a esse nível. Mas isso nem são bem diferenças, são enraízamentos que nem assim se fazem notar na quotidianidade dos relacionamentos interpessoais. Se assim fosse, mesmo as conversas mais banais seriam realizadas a um outro nível completamente distinto.

Nunca a descrição de uma realidade reproduzirá univocamente a Realidade a que propõe referir-se. O assimilar dessa restrição é o fundamento endógeno da Arte, da Literatura, da Filosofia, da Religião (até certo ponto), e ao mesmo tempo, o Santo Graal e a coroa de espinhos da Ciência e da Matemática. O nosso juízo sobre a realidade não passa nem nunca passará de uma aproximação, exactamente por ser individualmente nosso e não poder ser assim sem ser o fruto de uma observação individual sobre um objecto. Mesmo a Física já concluiu que o simples acto de observar um evento altera (ou no mínimo pode alterar) esse mesmo evento. O mero acto de olhar pode mudar o objecto observado. Tome-se o exemplo da descrição de um acidente: fora as mentiras e as adendas posteriores que advém da humana condição, cada relato parecerá corresponder a um evento distinto e num tribunal, assumindo uma situação ainda mais idealista onde ninguém mente consciente ou inconscientemente, haverá sempre algo por esclarecer. Juntem-se pedras encontradas na praia e tente-se separá-las por grupos com características comuns, por exemplo a cor: as brancas para um lado, as pretas para outro, e um montinho diferente por cada cor diferente. Durante essa tarefa, já se notarão diferenças óbvias entre as pedras no mesmo montinho: umas terão manchas de outras cores, umas serão mais estriadas, outras pintalgadas, umas furadas, outras lisas, umas de bordas arredondadas, outras angulosas, umas mais pesadas, outras ásperas... Sem se aceitarem algumas aproximações dizendo que não sendo iguais, são ao menos parecidas, é inevitável terminar com uma única pedra por cada monte. Mas mais importante é aperceber-se que essa divisão não faz sentido. Ou qualquer outro tipo de divisão de qualquer outro tipo de objecto por qualquer outro tipo de característica. Todos os actos individuais têm uma justificação individual. O demónio está nos detalhes. A Vida é a procura de um equilíbrio, de uma aproximação que nos baste e que sirva para uma estabilidade individual, ainda que nunca se consiga. Ser-se extremista a qualquer nível é negar metade de si mesmo. Liberdade é aceitar a clausura como se aceita a autonomia. Nada disso mudará o que se É verdadeiramente.

Esta discussão é ao mesmo tempo consequente e não. A interpretação é igual. Não há conclusões absolutas. Não há fim.

sexta-feira, janeiro 27, 2006 

Qual Dali?

Surrealismo é o meu cão a beber a água quente do banho sujo de mim nele a fumar um cigarro e ninguém saber se é verdade.

segunda-feira, dezembro 12, 2005 

Dali proscrito

Acendeu-se o filamento do cosmos. Já há luz por toda a parte e tudo parece agora mais fácil de compreender, mais fácil de analisar. Aos olhos do mais complexo de nós, tudo é agora muito mais simples. Não o é para mim. Não é o que eu vejo. Não é o que sinto. Uma fina cortina luminosa, que faz com que tudo brilhe com as cores de um caleidoscópio, fere-me a vista. Entra pelas retinas como um jacto de lava corrosiva, atravessa o meu corpo de um polo ao outro e queima-me os terminais nervosos tornando-me dormente por dentro e cada vez mais negro.. por todo o lado.

Esta luz engana. Nada é o que parece à primeira vista, e o que se vê segunda vez, já nem com a primeira se parece. E depois de infectado pelos tentáculos desta falsa visão fantasma, já nada é nada e passa a ser o que todos quiserem, e todos querem a mesma coisa. De cada vez que os objectos são focados, estes mudam de forma. As lentes ainda se esforçam por conseguir acompanhar a alucinante mutação numa corrida cega contra a imagem vazia de conteúdo, e quando quase que conseguem, algo soa a desafinado.

Não. Desafinado não. Dissonante. Translúcido. Cinzento. Amorfo. Tépido. Consegue-se ver. Consegue-se cheirar, apalpar, saborear, enfim.. Sentir. Mas não se consegue entender o que é. Porque o ponto de interrogação da substância esconde-se por dentro da forma. "Dominámos a forma!" - ouve-se berrar por todo o lado da boca dos iluminados. Errado. Estamos mais perto de ser dominados pela forma. E enquanto as ondas hertzianas se fazem transportar com as coordenadas do zénite ditadas pelo denominador comum, as próprias unidades humanas que perfazem o denominador comum atiram-se para dentro das suas naves espaciais personalizadas e aceleram à velocidade da luz, tristes moscas fotónicas, rumo ao primeiro farol que encontrarem. São capazes de se transcenderem pelos ideais errados e irromper as fronteiras das realidades apenas para se deixarem conduzir através de uma rede de canos de esgoto, ainda assim mais limpas que eles próprios (senão davam pela diferença) em direcção a uma pulsão artificial construída à imagem da média. Uma média ponderada, uma fantasia alimentada por larvas gordas com dentes podres e barrigas vermelhas. Uma meta-realidade criada dentro de caixas de petri sujas e ágar humano em laboratórios controlados por ratos cósmicos. Que paisagem extasiantes: beleza, fartura, riqueza, conforto, facilidade. Perfeição? Não há bebés feios. Não há moscas na fruta. Nunca falham as pilhas do telecomando. Que tal isso para Perfeição? Tudo é belo, tudo é bom! Tudo é tão brilhante e vivo e colorido - tal como na TV! Não há que enganar. Aqui não há morte! E têm razão, por uma vez. Porque não há morte para quem já nasceu morto. Há pior.

Triste rebanho de smilleys que avança e avança, evolui e aperfeiçoa-se numa escalada por escadarias Escherianas tatuadas de espelhos multidimensionais onde param para se admirarem a cada segundo. Moles de porcos narcisistas concentrados, todos vestidos com modelos exclusivos de argolas para o nariz, placas de identificação nas orelhas e palas nos olhos, a caminho dos currais domésticos para serem engordados com rações light. Deixam-se operar por lasers que não deixam as marcas da merda que fazem, por sua vez operados por máquinas, por sua vez operadas por mãos em luvas de látex operadas por mais porcos com cifrões em vez de cornos, que vão roncando uns para os outros:

- "Que tal te pareço?"

sábado, dezembro 10, 2005 

Carvão

Esperas o quê? Dias melhores? Dias maiores? Talvez dias que não sejam feitos de brechas de tempo por onde enfiar remorsos negros remorsos negros traços de um desenho incongruente, daqueles que só perdendo o olhar neles se vê outra coisa qualquer. Esses são os melhores desenhos porque cada um vê o que a cabeça lhe manda ver, são como filtros que eliminam o ruído ambiente ruído de fundo e permitem por momentos ter uma ideia original, vendo uma imagem criada naquele instante pelo nosso cérebro. Nunca tiveste uma única ideia original. Pode dar-te jeito enquanto esperas os teus dias mágicos dias à espera, um conjunto desses desenhos para forrares os limites de todo o teu tédio, se é que tem limites. Eu próprio vou desenhá-los. Sangue? Nem penses. Não mereces. Tu e o teu exército de milhares de expectativas que dizes serem larvas em plena metamorfose dentro do casulo mas que são é sanguessugas embalsamadas não fizeram outra coisa durante anos que não fosse sangrar-me.

Carvão.

Vou desenha-lhos em traços largos a carvão. Conhecendo-te como eu te conheço e conheço-te melhor que ninguém, não vai ser difícil antecipar as minhas às tuas sinapses. Sei como as fazer convergir, sei como convertê-las subvertê-las pôr-lhes uns arreios e fazê-las puxar a minha quadriga pelo estalar das curvas serpenteantes que rasgarão o ar por entre o desenho a traços largos em carvão que te vou dar. Quando o vires o abrires e te vires cara a cara com os contornos largos com que se delineiam os teus sonhos quando os teus olhos virem a verdade como eu a vejo com os meus olhos nos teus, vais abrir bem, esticar bem os olhos e deixar entrar tudo, toda a realidade, todos os teus sonhos sem aquela máscara ridícula com que os deixas enganar-te. Purificação pelo fogo quente fogo em línguas vermelhas desenhadas em carvão a traços largos com fome de tudo uma fome infinita e uma sede infinita de tudo, condenadas sob o signo da fénix a saciarem-se apenas quando tiverem queimado todo o universo, sem nunca o conseguirem. Por cada árvore queimada há milhares de sementes que farão das sepulturas úteros onde crescerão até conseguirem rasgar a membrana limiar e esticarem os ramos ao ar e ao sol com o único propósito de esticarem os ramos ao ar e ao sol, como se o modo como as coisas são não passasse de uma birra do destino. Tu serás uma dessas árvores e uma dessas sementes, e nem te vais aperceber, enquanto eu sou e serei esse fogo consciente da sua própria maldição, da birra infantil do destino e da sua própria falta de destino próprio. A carvão desenharei imagens através de linhas de poemas com traços largos com que amarrarei nós grossos para te segurar a uma ideia: a de que as coisas são como são mas podiam ser de outra maneira qualquer.

sexta-feira, dezembro 02, 2005 

Sobretudo

2.Os tempos mudam, as pessoas não. É.. Anda-se por aí a pensar que se vai a algum lado e quando damos por ela tamos no mesmo sítio, com as mesmas pessoas, a pensar a mesma coisa, a viver o mesmo fado. De repente, não se sabe bem o que é.. sente-se um formigueiro, um desconforto, uma vontade qualquer. Coça-se, muda-se, faz-se. Nada resulta. Come-se, bebe-se, fuma-se. Nada. Olhas e não vês. Falas e não dizes. Sabes e não compreendes. Ao fim de um tempo esgotam-se os verbos e as acções a que se referem e nada. A mesma sensação, a mesma prisão com a porta escancarada e a tua cabeça aos berros: "O que é que tu estás a fazer? O que é que tu estás a fazer?" Conviver com esta alucinação faz-te pensar que os outros devem andar na mesma. Só pode. Mas ninguém diz nada. Tás no meio de 5 biliões de pessoas e ninguém diz nada. Nada. As conversas defuntas assombram o mundo dos alucinados. Isto não é um ciclo de vida onde o fim de uma é o princípio de outra. É o inverso: o início de uma morte é o fim de outra. O nada conduz ao nada. E eu ali no meio. A ver tudo a estagnar e morrer. Não. Nem é isso. Dito assim parece que algo se passa. Nada mais errado. A estagnar como se alguma vez estivesse em movimento ou a morrer como se um dia tivesse vivido. Não. Tudo estagnado e morto. E assim se vai completando o ciclo. 3.Dito isto, dito tudo, dito nada. Não sei nada do que aqui está escrito. Não o percebo. Nem sei se ainda tento. Parado sei que não estou. Relógios parados tem horas certas duas vezes por dia. Relógios desacertados não. Têm o mecanismo todo montado e pilha para o fazer mexer, mas marcam a hora errada a qualquer altura do dia e noite. Assim é a minha cabeça. Escrevo e penso. Mas sei lá o quê. "O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer? O que é que estás a fazer?